terça-feira, 24 de maio de 2011 | By: Ócios do Ofício

Autenticidade





Seus pés, outrora tremulantes, agora fixaram se no chão como rochas irremovíveis, sua boca ardia enquanto as palavras voavam aos ouvidos de quem pudesse ouvir, o coração batia firme no peito. Apesar de tudo, a alma permanecia calma. Autenticidade, o que para uns é a utopia do ser, para outros, é estilo de vida, levar o saber, o pensar e o entender para onde for sem receio nem vergonha.
Ser quem somos, por mais antagônico que seja, é difícil. Não é fácil dizer o que se acha sobre algo, não é fácil apontar suas próprias fraquezas, não é fácil dizer não. Preferimos nos esconder atrás de fotos tiradas de ângulos milimetricamente calculados, frases feitas de pessoas fortes e milhares de amigos. Tudo isso com intuito de fugir para uma realidade mágica, em que somos mais altos, mais engraçados,temos olhos mais claros e nossas vidas são perfeitas. E para isso contamos com a amiga de todas as horas, a internet.
Será a vida sem tanta maquiagem, roupas bonitas e falsos sorrisos é tão horrível assim? Será que dizer o que se pensa é tão grandioso dom, reservado apenas aos grandes heróis e estrelas de cinema? Não creio. E com dizer o que se pensa não me refiro à dizer tudo o que vem à cabeça, mas compartilhar aquilo que se acha certo ou errado, deixar as palavras passarem pelo filtro de nossa consciência.
A autenticidade é a liberdade para sermos quem somos, sem medo, sem vergonha, sem ironia. Sei que o preço pode parecer alto às vezes, quebrar aquela trava na nossa mente que paralisa nosso pés e língua, perder alguém que já chamamos de amigo ou parecer não ser levado a sério. Mas acredite, ela é fruto de admiração por quem tem a maturidade de reconhecê-la, que sabem que existem dois tipo de pessoas, as que tem personalidade, e as que invejam aqueles que a têm.



Rafael Rogério Santos
domingo, 5 de dezembro de 2010 | By: Ócios do Ofício

Honestidade

Um homem de terno chique atravessa a cidade movimentada. Seu semblante é sério e traduz certa preocupação, enquanto os ares de fumaça, suor e perfume percorriam-lhe os cabelos grisalhos e a rica vestimenta. De súbito, entre os constantes e incontáveis esbarrões cotidianos que agora são imperceptíveis em meio à cadeia interminável de problemas a resolver, eis que sua carteira cai-lhe do bolso. Dentro dela, uma série de notas graúdas discretamente separadas por pedacinhos de papel cuidadosamente colocados. Neles, letras miúdas indicavam o destino daquelas: escola dos filhos, contas de água e luz, pagamentos de carro, aluguel, etc. A selva de pedra continuava sua algazarra organizada por semáforos e buzinas enquanto sons de sapatos sendo castigados e saltos-altos rodeavam a peça de couro.
Passados poucos instantes, uma senhorinha de andar lento e passos contados percorria o mesmo trajeto. Sua aparência acusava sua debilidade médica haja vista o ato constante de levar a mão à boca e tossir de forma frenética. Ironicamente, foi sua postura arqueada que a levou a perceber o descuido do refinado homem ao perder o valioso pertence.
Seguiu em direção ao objeto, abaixou-se com dificuldade e agarrou. Quatro segundos depois estava ereta – ao menos tão ereta quanto possível. Verteu-se imediatamente o que era cansaço em uma curiosidade incessante pelo conteúdo alheio. Abrindo-o viu, entre as fotos da família e os cartões,  a solução de seus problemas no formato de notas de cem e cinqüenta. Seus olhos cansados brilhavam enquanto que em seu rosto figurava um sorriso levemente malicioso.
Passada  a vertigem, pousou os olhos rapidamente sobre as fotos. Em seu peito um leve aperto a deixou presa numa cruel encruzilhada. Em sua cabeça figurava a pergunta: “O que fazer?”
O homem continuava sua caminhada alheio à sua própria perda. Os problemas flutuavam em sua mente quando uma gélida mão enrugada tocou-lhe levemente o ombro: uma senhorinha de andar lento e passos contados portando a peça de couro estendia-lhe a mão para entregá-la. Ele agradeceu, pôs no bolso, agradeceu mais umas duas vezes e atravessou a rua. Minutos depois entrou no banco, parou frente ao caixa e sacou a carteira. Franziu a testa, mirou o caixa e saiu. Parado em frente ao banco estava um homem, de terno chique, cabelos grisalhos e carteira vazia. Em seus lábios lia-se: “-Velha desgraçada!”.


Rafael Rogério Santos
segunda-feira, 22 de novembro de 2010 | By: Ócios do Ofício

A Armadilha da Pressa é o Medo


Seres horrendos habitando armários, monstros vivendo embaixo da cama e, é claro, o famigerado bicho papão. Seja qual for a entidade imaginária que lhe tenha perturbado o sono em sua infância e iniciado uma série noites mal dormidas ao lado dos pais e urina na cama, é certo que em algum momento sua mente foi vítima de sua própria imaginação. Mas o mais incrível é que algumas pessoas insistem em se deixar abater por essas criações que mascaram a realidade e as impedem de crescer, tudo porque não param para refletir. De alguma forma, aprendemos a ter medo daquilo que não existe, e pior, somos afetados por estas fantasias.
Um falso amigo, um falso amor, um falso carinho geram uma falsa desilusão - apesar de esta doer de verdade. Cansei de ser vítima da minha própria mente, dos meus atropelos, das minhas pressuposições. Estou farto – e sei que não sou o único – dessa minha pueril mania de viver a mil por hora sem olhar para os lados, para depois ser atropelado pela minha própria realidade.
Todos já caímos na armadilha da nossa incontrolável pressa. Não me refiro àquela do dia-a-dia, recheada de buzinas de automóveis e palavrões de toda sorte. Refiro-me à impaciência inerente ao ser humano de ser feliz e que nos leva ingenuamente ao sinuoso caminho da enganação. É difícil ter calma e esperar por qualquer coisa quando se tem internet, fastfood  e aviões a jato. Queremos tudo aqui e agora. Seja uma informação, um sanduíche ou o par perfeito. Ninguém quer se conhecer, trocar idéias ou abster-se de algo. Alguns acham que tudo que se precisa é alguém preenchendo os requisitos da pesquisa seguinte à página do horóscopo.
A verdade é que a felicidade é simples, mas não é fácil. É preciso paciência, calma e sacrifício, sendo as duas primeiras as mais importantes. É preciso pensar, do contrário, continuaremos carregando conosco o medo e a angústia de viver uma farsa.
Rafael Rogério Santos

Quadros e Tijolos



Há pessoas que pensam que foram as suas vitórias as responsáveis por quem elas são hoje, por quem se tornaram. Discordo. Vitórias são como belos quadros para os quais gostamos de olhar, mas são as falhas os tijolos com que construímos as paredes para pendurá-los. São elas que nos ensinam como prosseguir, nos mostram as nossas fraquezas e testam nossa força. Não há prova maior de perseverança do que ter se empenhado muito em algo que não deu certo e continuar tentando. É nesse momento que a humanidade se torna testemunha do seu auge. Nenhuma grande conquista humana seria de fato grandiosa sem que fosse regada a tentativa e erro. São muitas quedas antes do avião, inúmeras pinceladas antes de Mona Lisa, muitos pés no chão antes de chegar ao espaço.
Já dizia um provérbio japonês: “Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota”. Com esse eu concordo. Não por ser japonês, mas por praticamente ditar minha filosofia de vida. Nunca fui realmente bom em algo no qual não tenha errado muito. E nesse imenso mar de fracasso, quanto mais fundo você for, maior o peixe. Perseverança é tudo.
O que seria de nós hoje se Einstein, Newton ou Pitágoras tivessem resolvido parar de tentar por acharem muito difícil ou por não ser conveniente? O que falta a este mundo de facilidades não são mentes brilhantes (vivemos num planeta de quase seis bilhões e meio de habitantes), mas pessoas capazes de sair da mesmice em favor de algo maior. Por mais que seus neurônios sejam os mais rápidos ou os mais numerosos, a sua genialidade só será reconhecida no seu esforço de fazer algo memorável, fora do comum. Tente muito, erre bastante, nunca desista e aproveite o sucesso.

Rafael Rogério Santos
quinta-feira, 7 de outubro de 2010 | By: Ócios do Ofício

Mentiras


           Coloquei as mãos na boca, como se elas pudessem filtrar as palavras que eu dizia a fim de torná-las verdade. Não consegui que o fizessem. Minhas pupilas dilatavam-se involuntariamente, assim como meu coração palpitava sem ritmo, ao menos, definido. As frases soavam ironicamente. Minhas mãos tremulavam equiparando-se ao tom de minha voz. Meu corpo dedurou-me. Nem meus dedos cruzados puderem livrar-me.
            Minhas expressões, mesmo que as quisesse e tentasse controlar, indicavam até ao ser mais insensível e desprendido que eu mentia. Não por gostar. Nem por querer enganar outrem. Mas por proteção. Instinto talvez. Mas com toda convicção, egoísmo.
Quem nunca mentiu? Ou. Quem nunca omitiu a verdade? Por qualquer motivo, razão ou circunstância. Banindo-me da hipocrisia e da responsabilidade de defender essa atitude repugnante, sei que se faz necessária quando se trata de sobrevivência. Primitividade. Por não termos mais os dentes pontiagudos, capazes de rasgar e perfurar até a mais dura das superfícies, e as unhas rígidas e afiadas, atuantes como garras, utilizamo-nos de outras armas.
Para sermos aceitos, mudamos nosso tom de voz e até o modo como nos vestimos. Para não perder um amigo, concordamos com todas as suas atitudes, se não todas, com a maioria. Mal sabemos que ser amigo é, também, apontar falhas. Para não desagradar, dizemos o quão linda ficou aquela vestimenta, mesmo que ela tenha ressaltado todos os pontos, supostamente, fracos daquele indivíduo.
Tenho a extraordinária mania de mentir para mim mesma. Estranho não? Auto boicote. Crio coisas que não existem, imagino cenas que nunca irão acontecer, fantasio histórias, idealizo momentos. Malditos mecanismos de defesa do ego. Queria poder confiar em mim. Não mais nos outros.
É difícil aceitar que todos mentimos, sem exceções. E também de assumir que meias verdades são mentiras completas. Ao contrário do que dizia Cazuza, se é que elas existem, mentiras sinceras não me interessam, não me interessam.

Bruna Silveira
sábado, 2 de outubro de 2010 | By: Ócios do Ofício

Aprisionados

          
         Duas pessoas caminham pela rua. Conversam e olham fixa e apaixonadamente uma para a outra. Não se tocam nem se beijam, apenas se admiram. Gravam para si os trejeitos, as feições, as expressões, as caretas e os sorrisos. Conquistam em gestos, em palavras. Provocam mutuamente. Despertam sentimentos, não necessariamente bons.
            Enquanto estão lá a incitar emoções positivas, outros estão a se odiar. O ódio não encontrasse apenas entre inimigos. Ele está também em relações que, na teoria, deveriam ser de amor. E o que é o amor? Sem saber explicar, posso resumir. Um sentimento. Amor de pai e filho, entre amigos, de homens e mulheres. E é neste último, o meu foco.
Seres tão complexos e diferentes uns dos outros. Com tantos defeitos e peculiaridades. Com objetivos e anseios antagônicos. Por que será então que todos buscam incessantemente a sua metade da laranja, a sua tampa da panela, a sua cereja do sorvete? Por sermos humanos, temos a necessidade de amar e ser amados, concomitantemente.
Qual a causa de submetermo-nos a outrem? Equilíbrio, segurança, estabilidade. Nenhum destes motivos, porém, são justificáveis. Suportam-se, fingem ser o que não são, adotam máscaras. Cedo ou tarde, e com toda certeza, elas cairão. O medo de ficar sozinho transformará você em um prisioneiro. Prisioneiro de si mesmo. Liberte-se. Prefira ficar sozinho a viver atrelado a uma relação de comodismo. Por permanecer inerte, você perde inúmeras chances. Se você não ama, deixe, abandone, descarte. Se você ainda ama, lute. Não deixe que a aliança seja o único símbolo de que há amor. Demonstre.

Bruna Silveira
quarta-feira, 29 de setembro de 2010 | By: Ócios do Ofício

Sons


Gritos e alarmes e sirenes e barulhos. Nessa contingência absurda de vozes, nos unimos a tantos outros falantes baderneiros e falsos idealistas, componentes desta sociedade surda, tão boa em falar, mas tão débil em escutar. Num mundo em que informação é tudo, nunca soubemos tão pouco sobre nós mesmos e sobre os outros. Refiro-me a algo que vai além das roupas, das modas, dos estilos, enfim algo que não pode ser lido em revistas ou dito por e-mail. Está em olhares, em dizeres, em um “bom dia” dito atravessado ou em um sorriso amarelo. São palavras ditas no silêncio de um abraço ou no calor de uma gargalhada.
Dormimos com celulares, temos computadores, vivemos bombardeados de novidades sobre tudo por todos os lados. Então, o que há de errado? Por que insistimos nesta solidão coletiva, nesta distância segura que machuca, neste mar de pessoas que, juntas, preferem viver sozinhas? A verdade é que temos medo. Medo de sermos nós, de não sermos aceitos e por isso não aceitamos os outros. Não nos mostramos e não vemos, falamos sobre o que não somos e escutamos as mentiras dos outros. Não atravessamos a linha do conhecimento próprio porque isso implica em encontrar fragilidades.  Esquecemos que a fraqueza não é condição do fraco, é a condição do humano. E nós não somos deuses.
Somos vítimas todos os dias desta linha, deste barulho surdo, deste tratado assumido por todos e por ninguém assinado. Convivemos conformados com a idéia de que não somos ouvidos e não devemos ouvir, nossos problemas são nossos, os deles são deles e assim seguimos. Todos de mãos dadas, mas em direções opostas, sem sair do lugar. Sem perceber, estamos sós.
Abraços e sorrisos e carinhos e verdades. Estou cansado deste isolamento, quero saber dos outros, deixar de ser surdo. Quero parar de viver numa ilha com receio de mim. Quero ajudar e ser ajudado. Uma mão só lava a outra se as duas saírem do bolso. Quero mostrar, enfim, que maior que a liberdade de ter falado é o privilégio de ter sido ouvido.





Por Rafael Rogério Santos