domingo, 5 de dezembro de 2010 | By: Ócios do Ofício

Honestidade

Um homem de terno chique atravessa a cidade movimentada. Seu semblante é sério e traduz certa preocupação, enquanto os ares de fumaça, suor e perfume percorriam-lhe os cabelos grisalhos e a rica vestimenta. De súbito, entre os constantes e incontáveis esbarrões cotidianos que agora são imperceptíveis em meio à cadeia interminável de problemas a resolver, eis que sua carteira cai-lhe do bolso. Dentro dela, uma série de notas graúdas discretamente separadas por pedacinhos de papel cuidadosamente colocados. Neles, letras miúdas indicavam o destino daquelas: escola dos filhos, contas de água e luz, pagamentos de carro, aluguel, etc. A selva de pedra continuava sua algazarra organizada por semáforos e buzinas enquanto sons de sapatos sendo castigados e saltos-altos rodeavam a peça de couro.
Passados poucos instantes, uma senhorinha de andar lento e passos contados percorria o mesmo trajeto. Sua aparência acusava sua debilidade médica haja vista o ato constante de levar a mão à boca e tossir de forma frenética. Ironicamente, foi sua postura arqueada que a levou a perceber o descuido do refinado homem ao perder o valioso pertence.
Seguiu em direção ao objeto, abaixou-se com dificuldade e agarrou. Quatro segundos depois estava ereta – ao menos tão ereta quanto possível. Verteu-se imediatamente o que era cansaço em uma curiosidade incessante pelo conteúdo alheio. Abrindo-o viu, entre as fotos da família e os cartões,  a solução de seus problemas no formato de notas de cem e cinqüenta. Seus olhos cansados brilhavam enquanto que em seu rosto figurava um sorriso levemente malicioso.
Passada  a vertigem, pousou os olhos rapidamente sobre as fotos. Em seu peito um leve aperto a deixou presa numa cruel encruzilhada. Em sua cabeça figurava a pergunta: “O que fazer?”
O homem continuava sua caminhada alheio à sua própria perda. Os problemas flutuavam em sua mente quando uma gélida mão enrugada tocou-lhe levemente o ombro: uma senhorinha de andar lento e passos contados portando a peça de couro estendia-lhe a mão para entregá-la. Ele agradeceu, pôs no bolso, agradeceu mais umas duas vezes e atravessou a rua. Minutos depois entrou no banco, parou frente ao caixa e sacou a carteira. Franziu a testa, mirou o caixa e saiu. Parado em frente ao banco estava um homem, de terno chique, cabelos grisalhos e carteira vazia. Em seus lábios lia-se: “-Velha desgraçada!”.


Rafael Rogério Santos